terça-feira, 9 de março de 2010

Entrevista com Tonho Matéria por Anderson Rabelo*

Este semestre estou pegando uma disciplina chamada Literatura Africana. A professora nos passou como trabalho, escolhermos músicas que falem da África e/ou sua cultura e minha equipe escolheu a música Akhenaton e Nefertiti. Consegui entrar em contato com Tonho Matéria, cantor e compositor e autor da música e pedi para fazer uma entrevista com ele por e-mail. Me senti tão contemplado com as respostas que resolvi pedir para postar a entrevista neste blog e espero que vocês gostem assim como gostei muito. Mais uma vez, agradeço a Tonho Matéria por ter concedido essa pequena "entrevista". _____________________________________________________

Akhenaton e Nefertiti
Primeiramente, queremos agradecer por nos conceder essa entrevista e ressaltar a importância da sua música para o resgate e manutenção da cultura Negra soteropolitana por revelar uma identidade forte que nos influencia em bastantes áreas que nem sabemos e estudando descobrimos mais e mais e mais.
1. Antes de entrarmos na música Akhenaton e Nefertiti, gostaríamos que primeiro você pudesse traçar um pouco da sua história até chegar ao Olodum.
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Tonho Matéria: Então vamos lá. Eu me chamo Antonio Carlos mais em arte Tonho Matéria, nasci no bairro de Pau Miúdo e desde pequeno sempre me inclinei para a música e assim fui participando de alguns terreiros de candomblé para aprender a tocar porque eu queria ser percussionista, mais isso depois tirei da cabeça e busquei a capoeira e em seguida fui participar de alguns grupos de samba junino: Pagode dos Fiáis, Ôba Ôba, Coruja Junina, Ganzá, Obatalá e blocos afros e afoxés como: Ébano, Amantes do Reggae, Afreketê, Ilê Oya, Omolu Ilê, Oyá Ilê, Ara Ketu e até chegar ao Olodum.
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2. Qual a sua relação com a cultura africana?
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TM: Como negro tenho uma obrigação de me relacionar com a cultura africana. Muitas pessoas acham que se relacionar com a África é fazer parte do candomblé ou da capoeira, o que é negativo. Na verdade se relacionar com a África é manter-se vivo em afirmação identitária e preservar as matrizes ancestrais e é o que eu faço, busco na relação africana a minha consciência negra de sempre manter vivo os elementos simbólicos da África negra e tento passar para meus alunos na capoeira e para o meu público na música quando estou em apresentação sonora ou até mesmo nos meus discos.
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3. Enfim, com tanta variedade na cultura africana o que te levou a escolher o tema Akhenaton e Nefertiti?
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TM: Sempre fui curioso para descobrir coisas da África até então não comentado em músicas. As pessoas acham até hoje que o Egito não é na áfrica e por isso escrevi varias canções falando em personalidades ou lugares deste país. O Olodum sempre cantou o Egito e escolheu o tema Akhenaton e Nefertiti um casal solar, e como sempre eu debatia com João Jorge sobre as temáticas do bloco para o carnaval, o que temos para falar, apresentar, qual forma de discursos iríamos propor etc. Aí me veio a idéia de escrever esta canção que levei quase três meses para terminá-la. Preferi me aprofundar mais no tema e entender todas as questões sociais, culturais, políticas e religiosas do Egito antigo. Amo as divisões monoteístas e politeístas. Então, por acaso, no aeroporto de Recife indo para a Europa, eu comprei um livro: Nefertiti e Akhenaton do autor Christian Jacq e quando eu terminei de ler já tinha entendido toda a história do pai de Tutankamon, ai foi só escrever a canção da forma que eu imaginava. O Olodum ainda não tinha divulgado para o pessoal o tema mais eu sair na frente porque iríamos gravar o DVD e já queria estar com uma música falando do tema que o bloco iria apresentar no carnaval. De fato esta canção é de dupla nacionalidade, brasileira e italiana kkkk. Terminei-a na Itália.
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4. Qual sua opinião sobre o cenário musical baiano atual? E quanto aos grupos que trazem elementos do candomblé em suas letras? Nessa pergunta eu lembro desde Carlinhos Brown até os novos pagodes baianos.
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TM: A musicalidade baiana é bastante rica, mais está sendo mal explorada. É preciso ousar mais, ter mais criatividades. Principalmente a galera do pagode que estão com toda bagagem popular nas mãos, mas não conseguem sair daqui de Salvador, são poucos que conseguem furar o bloqueio, e isto, simplesmente por não entenderem que fazer música não é brincar com sentimentos e não é diversão, a gente se diverte com a musica, mas fazer musica é se comunicar com os sentidos do imaginário, é transportar alguém para o universo dos sentidos e fazer viajar num mundo desconhecido, é fazer o individuo reviver a sua historicidade. Pensar que já esteve naquele lugar sem nunca ter ido. Eles pecam nesse sentido, quando não falam do amor com amor e só propagam sexos e drogas, e isto não é música.
Quanto aos elementos do candomblé nas músicas é uma forma de divulgar o que a cultura do candomblé tem. Já que a história do negro precisou de uma lei para ser ensinada nas escolas, então os artistas conscientes vão manifestando seus rituais dentro das letras das músicas. Isto é uma forma de correio nagô, de boca em boca. Não sou contra não. O que não gosto é quando se cantam os segredos do candomblé, por exemplo: Contra “EGUN”, falar dos segredos de “EXU”, etc. isto não acho legal não. Eu também faço citações a alguns símbolos do candomblé mais com cautelas e cuidado para não desagradar nem o povo do axé e nem os orixás.
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5. Uma coisa que me inquieta bastante, o que você acha dessa ligação quase que sinônima de África e candomblé?
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TM: Acho um erro de consciência coletiva, uma falta de visão e percepção. Imagine se em toda a África fosse só um mundo de rituais. Com certeza no mundo, o candomblé estaria na frente de todas as outras religiões, tanto no quantitativo como no coletivo. Esta é uma forma de pensamento eurocêntrico que numa lavagem cerebral nos deixou como herança todas as formas de desconstrução cultural e assim vivemos ate hoje, acreditando que o candomblé é coisa do diabo, que leite com manga mata, que o boi da cara preta mete medo em criança, que devemos trabalhar sempre para homens brancos e se curvar a eles sempre que ele estiver por perto, etc. a igreja católica muito contribuiu para este mal.
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6. Em relação ao momento presente, como você enxerga o modo como a cultura africana ou as heranças africanas são tratadas nos espaços que se proclamam “valorizadores das raízes africanas e/ou do povo negro”?
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TM: Numa visão critica, percebo que tudo que se diz respeito à cultura negra é usado como folclore.
Todos negam a cultura negra, todos mesmo. As empresas privadas quando dão patrocínios é impondo seus conceitos e tudo tem que ser de acordo à suas exigências. O governo cria editais para a cultura negra, mas o mesmo não da aceso ao negro que vive em comunidade e que nunca cursou uma faculdade; As políticas culturais não são direcionadas para esses negros como deveriam ser de fato. As ações afirmativas não conseguem sair do papel e os benefícios nunca são direcionados aos negros.
Deveríamos ter aqui em Salvador um museu que guarde a memória africana, ruas com nomes de negros que se destacaram na política, nas revoltas populares, na capoeira, no candomblé, no samba de roda. Tínhamos que ter monumentos da história da escravidão em lugares públicos para os jovens terem acesso ao conhecimento, e conscientizar esses jovens sobre a memória dos seus antepassados. Enfim, a nossa herança está mal cuidada.
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7. Já que entramos um pouco nessa questão do movimento negro, então, em que medida você considera importante, em relação à época atual, a valorização desse grupo na sociedade brasileira de hoje?
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TM: Quando se tem um pensamento coletivo em que todos façam do movimento negro um “negro em movimento”, plagiando Mario Nelson, assim como foi Zumbi (Zambi), Dandara, Alqualtune, Luiza Mahin, Abdias do Nascimento, Mario Gusmão, Grande Othelo, Manoel Querino, Cruz e Souza e tantos. Vale apenas lutar pelos ideais, mais o que percebo hoje em dia é ainda uma forma de buscar desolada. As entidades ligadas ao movimento negro não mais se preocupam com o coletivo e percebo isto na marcha do dia 20 de novembro, na passeata dos filhos de santos, nos debates dos capoeiristas e tantos outros manifestos. O movimento que era apolítico se politizou e se dividiu demais e agora cada facção luta por políticas partidárias isoladas. E quando um negro sai candidato a algum cargo político esse movimento não consegue elegê-lo. Alguma coisa está errado nisso. Vi isso com Vovô do Ilê, Samuel Vida, Clarice, Bujão, etc.
Lembro das canções dos blocos afro quando os autores diziam: “Não se importe negro, a verdade vencerá, sua cultura é completa e seus deuses são vivos” Gilson Nascimento. “Se houver barreiras pulo não me iludo não, sem essas de classes do mundo, sou um filho do mundo, um ser vivo de luz” Suka. Então esses versos me levavam a crer que éramos capazes de lutar e de vencer e quando a vitoria chegasse todos seriamos unidos por um só ideal, construir uma sociedade com LIBERDADE de expressão com IGUADADE e muito FRATERNIDADE mais isto não vejo mais nos movimentos, a luta agora é pelo poder, pelo status, pela democracia particular. Estes blocos também ajudam a construir um movimento de apartheid, talvez inconscientemente. É só olhar para seus quadros de funcionários.
Assisto aos programas nas TVs e só vejo o povo negro sendo massacrado, genocídio, extermínio todo dia e nada se faz para dar um basta nesta violência, à gente só fica falando: ”nossa como a cidade estar violenta”. E nada se faz para diminuir este sinistro quadro. Agora é a hora de o movimento ir a TV e convidá-los para debatermos de perto sobre a problemática que ocorre nas ruas, nas comunidades, nas favelas, na falapitas, enfim, buscar uma solução mais direcionada e ter uma solução, vamos criar um programa sócio-educacional junto com as comunidades, vamos dividir os milhões dos cofres públicos com ações afirmativas direcionadas ao povo que a violência acaba e se o movimento negro buscar este entendimento direto com o governo, empresas, mídia, etc. com certeza acabaremos de uma vez com a proliferação do trafico de drogas e seus efeitos terminais em nossas comunidades.
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8. Considerações finais
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TM: Acreditado na esperança de um dia ser visto pela sociedade como um indivíduo que através da arte promoveu cidadania com as ações desenvolvidas pela música, pela capoeira e pela publicidade. Acredito que ainda posso dar de mim para fazer fluir novos atores com mais consciência política e acima de tudo com caráter.
A capoeira me deu tudo que eu quis na minha vida, e o melhor de tudo foi saber que lutar através da capoeira contra todos os tipos de discriminação nesta sociedade que ainda não nos enxergam como seres humanos foi a maior vitória da minha vida. Saber que através da capoeira coloquei um aluno (Eder, na capoeira Dimenor) no filme BESOURO fazendo o papel de Besouro ainda na infância, e colocar outro no filme Capitães de Areia, isto é mais que gratificante e isto é fazer movimento negro, ou seja, é colocar o negro em movimento.
Como presidente da Associação Sócio-Cultural e de Capoeira Bloco Carnavalesco Afro Mangangá eu só tenho agradecer pela oportunidade. Espero poder participar das palestras principalmente falar sobre a musicalidade e a cultura negra, será um maior prazer.
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Obrigado,
Salve camará!!!
Tonho Matéria


* Anderson Rabelo é estudante da UNEB Campus I (Salvador) e Executivo Estadual da ExNEL - Executiva Nacional de Estudantes de Letras gestão 2009/2010.

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